Durante as eleições presidenciais de janeiro de 2021, foi notório e foi notícia o clima de ameaças à liberdade de expressão, de informação e de manifestação vivido na campanha do candidato André Ventura, presidente do partido Chega. Na sequência de algumas notícias, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista foi contactada pela missão da OSCE que estava a acompanhar a campanha eleitoral a convite do Governo português no sentido de relatar os factos de que tinha conhecimento. Decidiu então promover um conjunto de audições a sete jornalistas que participaram na campanha e o resultado revelou um retrato bem mais preocupante do que davam conta as notícias.

Os jornalistas chegaram a fazer notícias sobre as ameaças de que alguns deles foram alvo no jantar-comício de Braga, quando o diretor de campanha de André Ventura, Rui Paulo Sousa, proferiu no seu discurso palavras que os jornalistas entenderam serem-lhes dirigidas: “Os nossos inimigos, os nossos adversários estão lá fora. Não estão todos lá fora, infelizmente. Alguns estão cá dentro”. Na sala, além dos apoiantes, só estavam os jornalistas.

Nessa noite, vários profissionais da comunicação social ouviram insultos, ameaças, vaias, apupos dentro da sala do jantar-comício. Sentiram necessidade de saírem em grupos do local, porque se sentiram ameaçados. Um carro de reportagem da RTP, ao serviço da rádio Antena 1, foi vandalizado: arrancaram-lhe o limpa-para-brisas. No dia seguinte, o candidato André Ventura fez declarações no sentido de se demarcar das ameaças proferidas contra os jornalistas, mas nunca desautorizou o seu diretor de campanha.

Foi o único momento em que os jornalistas deram algum eco nas notícias quanto ao clima de hostilidade que dizem ter vivido toda a campanha, sobretudo por parte de apoiantes do candidato, mas também da parte da própria candidatura, ainda que esta última se tenha manifestado num tom que nunca foi considerado ameaçador. No entanto, a comunicação social era sempre visada nos discursos de campanha, ainda que algumas vezes fosse para agradecer a sua presença.

As ameaças não foram apenas presenciais. Nas redes sociais, o tom usado por alguns apoiantes e por, pelo menos, um dirigente do Chega é passível de ser enquadrado como crime. Nas redes sociais, o discurso de ódio é uma constante e algumas jornalistas chegaram a receber ameaças diretas. Presencialmente também, sobretudo no jantar de Braga.

As principais razões para os ataques aos jornalistas terão sido, segundo os próprios, o facto de estarem a fazer uma cobertura independente e livre da campanha daquela candidatura, feita durante o pico da pandemia de covid-19 em Portugal e que enfrentou nas ruas várias manifestações de repúdio. Aos apoiantes, incomodava-os o facto de os jornalistas irem ouvir os argumentos desses manifestantes, assim como incomodavam as notícias que davam conta de jantares-comício que não cumpriam as regras de segurança sanitária.

Apesar do clima tenso e de hostilidade permanente, os jornalistas em momento algum abandonaram aquilo que entendem ser a sua missão. E nem sempre se consideraram um alvo. Em vários momentos perceberam que as coisas podiam correr mal devido aos protestos recorrentes, em várias cidades, de manifestantes anti-Chega, e foi isso mesmo que aconteceu em Setúbal, já quase no fim da campanha. Todos os jornalistas ouvidos têm dúvidas sobre o que de facto aconteceu naquela tarde e que terminou com uma “limpeza de rua” e uma carga policial sobre alguns manifestantes. Nenhum jornalista diz ter assistido à “chuva de pedras” relatada nas televisões pelo comandante distrital de Setúbal.

Neste contexto, e perante os factos relatados pelos jornalistas ouvidos pela CCPJ, foi elaborado um relatório circunstanciado que foi remetido às seguintes entidades:

- Presidente da República
- Presidente da Assembleia da República
- Primeiro-Ministro
- Procuradora-Geral da República
- Provedora de Justiça
- Comissão Nacional de Eleições
- Entidade Reguladora para a Comunicação Social
- Sindicato dos Jornalistas

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2021

O Plenário da CCPJ