A presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), Licínia Girão, participou no debate sobre os desafios dos Media na Europa à luz da nova lei Europeia sobre a liberdade dos órgãos de comunicação social, que teve lugar na passada semana no Parlamento Europeu em Bruxelas. A sessão foi organizada pelo deputado João Albuquerque, que reuniu um conjunto de atores ligados ao setor, nomeadamente oriundos de Portugal. Os participantes apresentaram ideias, contributos e posições assentes nas suas diferentes experiências e sensibilidades com o objetivo de contribuir para construir uma base para a solidificação do processo legislativo em curso sobre o European Media Freedom Act - a proposta de regulamento da Comissão que define regras sobre pluralismo e independência dos meios de comunicação social na União Europeia.
Em nome da CCPJ, Licínia Girão destacou durante o debate a importância, pertinência e assertividade da Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece um quadro comum para os serviços de comunicação social no mercado interno (Regulamento Liberdade dos Meios de Comunicação Social) e que altera a Diretiva 2010/13/EU (Diretiva Serviços de Comunicação Social Audiovisual), que não só vem clarificar a posição da União Europeia, como levar todos os Estados-Membros a assumirem um compromisso comum de implementar medidas que visem garantir, no essencial, a autonomia e liberdade editorial dos fornecedores de serviços de comunicação social.
Destacou ainda que um Regulamento desta natureza irá contribuir para o reforço do reconhecimento e credibilidade dos serviços e fornecedores de comunicação social na generalidade e dos que incluem setores ou são integralmente vocacionados para a informação de carácter jornalístico em particular, como espaços de liberdade, pluralidade, independência, transparência e afirmação da Democracia portuguesa e Europeia. Fortalecendo e protegendo ainda, desta forma, os direitos dos cidadãos europeus consagrados no artigo 11.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, respeitantes à liberdade de expressão e diversidade e independência dos meios de comunicação social, e dos valores consagrados no artigo 2.º do Tratado da União Europeia. Além de contribuir também para reforçar a defesa da liberdade de expressão nos termos pronunciados no artigo 10.º da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
A presidente da CCPJ reforçou que é imperativo proteger a liberdade e o pluralismo dos meios de comunicação social. Assim como, preservar ou restabelecer a liberdade e a diversidade dos serviços de comunicação social, que também só podem ser asseguradas se existir transparência e bem-estar económico por parte dos fornecedores de serviços de comunicação social. “Assistimos a uma mutação das sociedades democráticas, nomeadamente europeias e preocupa-nos que o Jornalismo esteja frágil. As precárias condições em que trabalham os jornalistas, nomeadamente em Portugal, mas também por toda a Europa, os recorrentes despedimentos coletivos e individuais - veja-se o exemplo do anunciado despedimento de mais de uma centena de jornalistas em França da cadeia Euronews - e a incerteza no seu futuro profissional faz aumentar os riscos de independência dos jornalistas”, disse.
“Os jornalistas também pagam contas e a trabalharem em condições precárias ou sob a ameaça do desemprego tornam-se mais vulneráveis a interferências, constrangimentos, à censura e autocensura. Só é possível defender o Jornalismo com jornalistas. Só é possível escrutinar e manter saudáveis as Democracias com jornalistas no seu livre e independente exercício da atividade”, realçou também Licínia Girão, acrescentando ainda que “os fornecedores de conteúdos também têm contas para pagar, por isso há que encontrar formas e fórmulas de equilíbrio que possam garantir o financiamento dos órgãos de comunicação social. Salvaguardando a necessidade de transparência e do pluralismo”.
Durante o debate a presidente da CCPJ teve ainda oportunidade de referir que, segundo um estudo apresentado por investigadores do LabCom - Comunicação & Artes e da Universidade da Beira Interior, Portugal enfrenta atualmente um “deserto de notícias” num quarto do seu território. Dos 308 concelhos existentes, 166 (53,9%) encontram-se neste "deserto de notícias", em "semi-deserto", ou estão "ameaçados". Existem concelhos, sobretudo no interior do país, que não possuem qualquer meio de comunicação que produza notícias. E outros que têm apenas noticiário menos frequente ou insatisfatório. Possuem um jornal de periodicidade superior a quinzenal ou uma rádio localizada no concelho, mas sem nenhum jornalista nesse território.
A situação é mais do que preocupante, é dramática. Num território praticamente coberto com universidades ou institutos politécnicos universitários que formam cada vez mais pessoas nas áreas do jornalismo e da comunicação, o facto de não existirem órgãos de comunicação social onde os jornalistas possam exercer a sua atividade, além de retirar às populações locais o direito constitucionalmente consagrado de serem informadas, o risco de acederem a conteúdos não validados por jornalistas é maior. Proliferam as publicações de natureza duvidosa e as fake news são uma realidade incontornável.
Logo, segundo referiu Licínia Girão, “só garantindo uma Comunicação Social de natureza jornalística sólida, capaz de cobrir todo o território, com redações que empreguem, em condições dignas, jornalistas é possível dar garantias a todos os cidadãos do direito a se informarem e de serem informados”.
E acrescentou: “é a jusante que se combate a desinformação, as fake news, os falsos conteúdos. Os setores informativos de natureza jornalística dos Órgãos de Comunicação Social têm de ser assegurados por jornalistas. Profissionais independentes que podem garantir o escrutínio dos factos com rigor e isenção. É a jusante que se combatem as fake news e por isso é imperativo que se envolvam todos os atores que se podem responsabilizar pela missão de manter o Jornalismo e a atividade jornalística livre, credível e acessível. E isto inclui os jornais, rádios e televisões locais e regionais. Órgãos que necessitam de apoio individual ou em consórcios que, pela natureza dos territórios, nem sempre podem ser transfronteiriços”.
A presidente da CCPJ deixou ainda claro que: “tal como defende, no seu parecer à proposta de Regulamento sobre a Liberdade dos Meios de Comunicação Social, o Comité Económico e Social Europeu, também é entendimento da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista que ‘meras recomendações e uma abordagem não vinculativa não são suficientes. A liberdade e independência dos meios de comunicação social deve ser um critério vinculativo’”. Deixando a sugestão de que sejam clarificados e ou reforçados os conceitos relacionados com o “serviço de comunicação social”, onde deverá constar uma delimitação precisa entre o fornecimento de serviços informativos gerais e os que são de carácter estritamente jornalístico. “Julgamos que os conceitos de ‘media’, ‘comunicação social’ ou órgãos de informação são demasiado vagos e não traduzem a complexidade do mundo atual onde os ‘self mass media’ se cruzam e por vezes confundem comos ‘Mass Media’, onde a publicidade e o marketing usam cada vez mais as técnicas, as práticas e os géneros do jornalismo para ganhar credibilidade junto dos públicos e as ideologias radicais se servem das redes sociais e das formas jornalísticas para criar desinformação e provocar movimentos extremistas de massas”, referiu.
Licínia Girão destacou ainda que “os jornalistas também são comunicadores, mas nem todos os comunicadores são jornalistas. Há que ter consciência disso mesmo”.
Realçou também que a CCPJ tem defendido - através de propostas de alterações legislativas - que as classificações legais que regem os órgãos de comunicação social sejam modificadas para clarificar e reforçar o conceito de “órgão de informação jornalístico”. Mas este reforço da classificação dos meios só conduzirá a uma mudança de perceção por parte dos públicos se for acompanhada por um reforço da condição, do estatuto e da valorização social e salarial dos jornalistas profissionais.
A presidente da CCPJ reforçou também durante o debate em Bruxelas a posição que este organismo de acreditação profissional de jornalistas tem vindo a defender no que respeita à transparência e financiamento dos órgãos de comunicação social e que devem ser clarificados e particularmente exigentes com todos órgãos de informação jornalísticos. “É preciso que todo o tipo de parcerias, apoios à produção de conteúdos, donativos e outras verbas envolvidas na produção de notícias, reportagens e outros géneros informativos sejam claramente identificadas, assim como os conteúdos editoriais apoiados ou patrocinados”, disse.
Destacou ainda que “não é possível continuar a permitir, por exemplo, formas de publicidade disfarçadas de jornalismo, porque abrem caminho para a instrumentalização e descredibilização dos jornalistas. Não nos parece suficiente o facto de a Comissão Europeia reconhecer que a concentração no mercado dos meios de comunicação social, quando conduz à formação de monopólios, pode constituir uma enorme ameaça à liberdade e ao pluralismo dos meios de comunicação social. A natureza do financiamento dos operadores de comunicação social jornalísticos e a sua gestão é de extrema importância, porque a precarização de todo o sector jornalístico profissional faz com que tanto as grandes como as média e pequenas empresas sejam vulneráveis a todo o tipo de interesses e sofram concorrência de plataformas híbridas de distribuição global de conteúdos nacionais e supra territoriais e que constituem uma clara ameaça à independência e à liberdade Democrática”.
Por fim, Licínia Girão realçou que, dada a natureza da CCPJ, que detém a competência de assegurar o funcionamento do sistema de acreditação profissional dos jornalistas, equiparados a jornalistas, correspondentes e colaboradores da área informativa dos órgãos de comunicação social, bem como o cumprimento dos respetivos deveres profissionais, ou seja, por obrigação legal, atribuir, renovar, suspender ou cassar os títulos de acreditação profissional dos jornalistas, é nosso entendimento que também este organismo, e outros congéneres existentes nos Estados-Membros, venham a fazer parte do proposto Comité Europeu dos Serviços de Comunicação Social. “Entendemos que a missão dos reguladores da atividade jornalística será cada vez mais necessária neste quadro em que é preciso reforçar a identificação, a classificação e também a literacia relacionada com o jornalismo profissional”, concluiu.