A questão tem uma gravidade que excede as eventuais responsabilidades disciplinares de um magistrado
A vigilância policial a dois jornalistas e o levantamento do sigilo bancário a um deles, por ordem do Ministério Público no âmbito de uma investigação de violação de segredo de justiça, levaram a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) a desenvolver diligências no sentido de apurar os factos junto dos visados e da Procuradoria-Geral da República.
Os factos relatados à CCPJ pelos dois jornalistas e já confirmados pelas instâncias judiciárias em causa, configuram uma desproporção de meios investigatórios em relação ao ilícito investigado, colocando em causa direitos fundamentais protegidos pela Constituição da República, em particular a liberdade de imprensa. Uma das componentes essenciais da liberdade de imprensa é a protecção do sigilo profissional de jornalista, que a lei rodeou de particulares cuidados no seu levantamento, para garantir o reforço da sua protecção.
Ao colocar jornalistas sob vigilância durante dois meses, ainda que na via pública, com o objectivo de perceber com quem se relacionavam, o Ministério Público, pelos dados de que dispomos nesta altura, poderá ter posto em causa o sigilo de fontes jornalísticas sem cumprir os requisitos legais para esse levantamento do sigilo, previstos no art.º 11.º do Estatuto do Jornalista.
Este caso, inédito no Portugal democrático, levou a Procuradora-Geral da República, na qualidade de Presidente do Conselho Superior do Ministério Público, a instaurar um processo de averiguações de âmbito disciplinar aos procuradores responsáveis pelo processo em que aqueles dois jornalistas são arguidos.
A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista considera que a questão tem uma gravidade que excede as eventuais responsabilidades disciplinares de um magistrado. Por isso vai continuar a acompanhar o desenvolvimento da situação, tanto a nível político – uma vez que a Assembleia da República poderá vir a promover audições relativas ao tema -, como a nível judicial. Uma das decisões já tomadas pela CCPJ será a de constituir-se como assistente, se os processos que os jornalistas anunciaram ir interpor avançarem efectivamente para os tribunais, e assim contribuir para a defesa dos valores fundamentais do jornalismo, elementos essenciais de uma democracia saudável.
Lisboa, 21 de Janeiro de 2021
O Plenário da CCPJ