13 de Outubro de 2004
1. Através do seu Acórdão n.º 445/93, de 14 de Julho, o Tribunal Constitucional declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do Regulamento da Carteira Profissional do Jornalista aprovado pelo Decreto-Lei n.º 513/79, de 24 de Dezembro, por nele se atribuir «às associações sindicais», concretamente ao Sindicato dos Jornalistas, a competência para a emissão dos títulos de acreditação dos jornalistas e equiparados.
Em consequência dessa deliberação, veio a ser criada a Comissão da Carteira Profissional do Jornalista, a qual passou a deter essa competência.
E a detê-la a título exclusivo, sublinha-se – o que começou logo a acontecer com a publicação do DL n.º 291/94, de 16 de Novembro (art.º 1º - e nova redacção dada por este normativo aos n.ºs 3 a 10 do art.º 2º do supra aludido Regulamento) e se manteve com a entrada em vigor do DL n.º 305/97, de 11 de Novembro (art.º 2º do novo Regulamento aprovado por esse diploma legal).
Lamentavelmente e não obstante o disposto no art.º 6º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 /11/ 1966 ( “A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas.” ), são muitos, alguns deles ocupando lugares de elevada responsabilidade, os que se recusam a compreender e a aceitar as implicações decorrentes dessa disposição normativa, que são várias.
2. Assim e em primeiro lugar, ao contrário do que acontece com outras profissões, de enfermeiros a juizes, passando por engenheiros, arquitectos, advogados e magistrados do ministério público, no que se reporta aos jornalistas, a realização de uma prova ou a emissão de um documento por uma entidade com competência legal para esse efeito, não constitui oreconhecimento definitivo de pertença da pessoa em causa a esse grupo profissional.
De igual modo, também ao invés do que ocorre quanto a essas outras actividades, a infracção de normas de carácter deontológico por parte de um jornalista, salvo no que respeita às previstas no art.º 3º da Lei nº 1/99, de 13 de Janeiro (Estatuto do Jornalista - incompatibilidades), e no art.º 16º do já citado Regulamento aprovado pelo DL nº 305/97 (falsas declarações), não acarreta a perda, temporária ou definitiva, dessa qualidade profissional.
Por outro lado, sempre ao contrário do que acontece com aquelas outras profissões citadas, aos jornalistas exige-se que, de dois em dois anos (nº 1 do art.º 6º do Regulamento aprovado pelo DL nº 305/97), seja confirmada por uma Comissão independente – a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista – a existência das condições legalmente exigidas para ser reconhecida a cada concreto requerente essa qualidade, exigindo-se, inclusive e até que perfaçam 10 anos seguidos ou 15 interpolados de exercício efectivo da profissão, em regime de ocupação principal, permanente e remunerada (nº 5 do art.º 3º do Regulamento aprovado pelo DL nº 305/97), a apresentação por cada um desses requerentes de «documento comprovativo de que exerce a profissão em regime de ocupação principal, permanente e remunerada» (artºs 6º nº 2 b) e 4º nº 2 d) do Regulamento aprovado pelo DL nº 305/97).
3. Ou seja, do confronto destas disposições legais, pode e deve concluir-se que o uso do título de jornalista só se torna umdireito adquirido depois de esse alguém ter perfeito 10 anos seguidos ou 15 interpolados de exercício efectivo da profissão, em regime de ocupação principal, permanente e remunerada, e sempre sem prejuízo do previsto no art.º 3º da Lei nº 1/99, de 13 de Janeiro (Estatuto do Jornalista) e no art.º 16º do Regulamento da Carteira Profissional do Jornalista.
E, mesmo assim, para que alguém possa intitular-se, ou deixar que outros o intitulem, jornalista, tem essa pessoa que ser portadora do respectivo título de acreditação emitido pela Comissão da Carteira Profissional do Jornalista, e tem esse cartão que estar válido para o biénio a que respeitar.
4. Mas esta não é a única conclusão decorrente da entrada em vigor das disposições legais antes referidas.
Efectivamente, embora as questões laborais escapem totalmente às competências legais desta CCPJ, aproveita-se a ocasião para recordar o texto do nº 2 do artigo 113º do novo Código do Trabalho, que é o seguinte: “Se posteriormente à celebração do contrato, por decisão que já não admite recurso, a carteira profissional ou título com valor legal equivalente vier a ser retirado ao trabalhador, o contrato caduca logo que as partes sejam notificadas pela entidade competente” .
Isto é, a não renovação da carteira profissional determina a imediata caducidade do contrato de trabalho de toda e qualquer pessoa que exerça, como trabalhador subordinado, a profissão de jornalista.
5. A isto acresce, face ao estatuído no n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro, é condição do exercício da profissão de jornalista a habilitação com o respectivo título; ou seja, tal como outras, a profissão de jornalista é uma daquelas para a qual a lei exige título, o qual é atribuído por esta CCPJ – e exclusivamente por ela, repete-se (n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 1/99 e n.º 1 do art.º 2.º do Regulamento aprovado pelo D.L. n.º 305/97, de 11 de Novembro) - quando estão preenchidas certas condições, que são, nomeadamente, as descritas no art.º 1.º daquela mesma Lei n.º 1/99.
E o n.º 2 do citado artigo 4.º da Lei n.º 1/99 determina que nenhuma empresa com actividade no domínio da comunicação social pode admitir ou manter ao seu serviço, como jornalista profissional, indivíduo que não se mostre habilitado com título profissional.
6. E porque assim é, o exercício de funções de natureza jornalística por pessoa não titular do devido título de acreditação (de jornalista ou equiparado a jornalista) integra, comprovando-se a verdade dos factos, a prática do crime de usurpação de funções previsto e punível pela alínea b) do art.º 358.º do Código Penal – crime esse cuja moldura abstracta é a de prisão até dois (2) anos ou multa até 240 dias.
7. Através do seu comunicado datado de 23 de Dezembro de 2003, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, que só com a publicação da Lei nº 1/99, de 13 de Janeiro, passou a deter competência para instruir processos de contra-ordenação e aplicar coimas pela infracção dos deveres previstos no “Estatuto do Jornalista” aprovado por esse decreto-lei, informou os jornalistas, as empresas titulares de órgãos de informação e todos aqueles que exercem funções nesses órgãos de informação, que os mecanismos internos indispensáveis para o cumprimento dessa sua nova competência estavam, finalmente, montados e prontos a operar.
Essa tarefa, que não foi, obviamente, esquecida, não foi considerada prioritária, antes de mais, por se ter entendido necessário facultar a todos um tempo de habituação ao cumprimento das novas regras, e depois, porque o produto das coimas reverte integralmente para o Estado, o que obrigou esta Comissão a dotar-se, previamente, da base financeira indispensável ao funcionamento desses mecanismos internos.
Isto sem prejuízo de, ao longo deste tempo, a CCPJ ter vindo, em diversas ocasiões e sempre com uma preocupação fundamentalmente pedagógica, a alertar os jornalistas, as empresas titulares de órgãos de informação e também todos aqueles que exercem funções nesses órgãos de informação, para o cumprimento das suas obrigações e não ter deixado de actuar sempre que as prevaricações assumiram uma maior gravidade.
Mas, estando esta Comissão agora em condições de começar a analisar, de uma forma sistemática, a actividade dos órgãos de informação, tendo em vista a verificação da conformidade das suas práticas com os dispositivos legais que constituem o já referido “Estatuto do Jornalista”, aprovado pela Lei nº 1/99, de 13 de Janeiro, e abonando-se sempre em critérios de justiça relativa que não podem ser ignorados (por isso, se determinou que não seriam abertos novos processos ou tomadas medidas por factos ocorridos até 31 de Dezembro de 2003), deixou a CCPJ bem claro que iria iniciar uma nova fase da sua actividade, alertando os jornalistas, os responsáveis por empresas titulares de órgãos de informação e todos aqueles que exercem funções nesses órgãos de informação, para esta alteração das circunstâncias e para a imperiosa necessidade de serem corrigidos os comportamentos prevaricadores.
8. Não obstante estes cuidados, porque se mantêm situações de incumprimento, viu-se esta Comissão obrigada, no estrito cumprimento das suas legais obrigações, a instaurar vários processos de contra-ordenação (cuja tramitação está a correr os seus termos) e a participar ao Ministério Público, para instauração do devido procedimento criminal, as situações que consubstanciam infracções de natureza penal.
E continuará a fazê-lo sempre que dê conta da verificação de tais prevaricações.
O Plenário da CCPJ