A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) volta a alertar para o fenómeno, cada vez mais preocupante, de existirem jornalistas e detentores do cartão de equiparado a jornalista a desempenharem, regularmente, atividades incompatíveis com o exercício da profissão.

Diariamente, chegam à CCPJ denúncias de conteúdos jornalísticos suspeitos de serem “encomendas” comerciais disfarçadas de jornalismo e visando todo o tipo de órgãos de comunicação social, desde os generalistas nacionais (genericamente tidos por serem de referência) aos regionais e locais que se multiplicam com publicações eletrónicas.

Também a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) tem comunicado à CCPJ, com crescente regularidade, casos em que identificam diretores de informação e jornalistas a darem cumprimento a cadernos de encargos que integram contratos estabelecidos entre as administrações de diferentes órgãos de comunicação social (nacionais, regionais e locais) e diversos organismos e entidades públicas. Conteúdos alegadamente editoriais, produzidos e assinados por jornalistas, mas que, com o argumento de serem feitos em parcerias mediáticas e feita a devida averiguação, se verifica serem de natureza promocional, gerados em cumprimentos de contratos comerciais, prática incompatível com o jornalismo. Conteúdos que, como realça a ERC, “comprometem o direito e o dever de autonomia e independência do jornalista”.

Recorda-se a recomendação do Plenário da CCPJ de 22 de Maio de 2019: “O jornalista que se prove ter participado na conceção ou apresentação de conteúdos patrocinados, publicados em órgão de comunicação social ou qualquer outra publicação, incorre numa contraordenação punível com coima de 200 a 5000 euros por infração ao disposto no art.º 3.º do referido Estatuto (Estatuto do Jornalista). O art.º 20.º especifica ainda, no seu n.º 2, que: “A infração ao disposto no artigo 3.º pode ser objeto da sanção acessória de interdição do exercício da profissão por um período máximo de 12 meses, tendo em conta a sua gravidade e a culpa do agente. Considera-se, portanto, infração grave, punível inclusive com suspensão da carteira profissional, toda a produção de conteúdos comerciais por jornalistas, ainda que não recebam qualquer contrapartida direta por isso. Todos os conteúdos patrocinados nos meios de comunicação social devem ser devidamente assinalados como publicidade ou atividade comercial e não podem ser realizados por jornalistas.”

Esta mesma ideia, que pede aos órgãos de comunicação social um reforço de transparência, tem sido reforçada ultimamente pelo Conselho Regulador da ERC. Por exemplo, no ponto 3 da decisão (VI), da Deliberação ERC/2023/203 (OUT-I), em relação às parcerias mediáticas, diz-se que: “… a não identificação da natureza comercial estabelecida, bem como da identidade adjudicante, é suscetível de comprometer a independência do órgão de Comunicação perante interferência do plano económico.” Trata-se de uma conclusão que deriva da ideia claramente expressa também no ponto 86: “Não é atendível o argumento de que a produção e publicação destes conteúdos dependem de uma avaliação em que, simultaneamente, coincidem as iniciativas promovidas por terceiros, o interesse jornalístico e o interesse dos leitores. (…) Na realidade não é aceitável a instrumentalização do critério noticioso, no sentido de nele residir o fundamento e justificação a alegada virtuosa coincidência.”

A CCPJ tem a seu cargo a responsabilidade pela regulação dos jornalistas, razão pela qual está legitimada para fazer chamadas de atenção para o facto de, perante situações desta natureza, em que interesses comerciais surgem disfarçados de jornalismo, não se aceitarem argumentos como “estão a receber ordens”. O ponto 1 do artigo 12.º do Estatuto do Jornalista, Lei n.º 1/99, de 1 de Janeiro, consagra de forma clara este outro principio fundamental e diferenciador do que é a profissão quando determina que: “Os jornalistas não podem ser constrangidos a exprimir ou subscrever opiniões nem a abster-se de o fazer, ou a desempenhar tarefas profissionais contrárias à sua consciência, nem podem ser alvo de medida disciplinar em virtude de tais factos.”

Defendem também, a este propósito, os diferentes organismos da União Europeia, que têm emitido diversas diretivas com o propósito de uniformizar procedimentos e entendimentos em relação aos direitos e proteção dos jornalistas, que “Os consumidores têm o direito de saber se determinado artigo de jornal, programa televisivo ou de rádio foi patrocinado por uma empresa como forma de publicitar os seus produtos. Esta informação deve ser dada de forma clara, através de imagens, texto ou som” - https://europa.eu/youreurope/citizens/consumers/unfair-treatment/unfair-commercial-practices/index_pt.htm.

Mesmo consciente de que o jornalismo atravessa tempos de crise a vários níveis, nomeadamente no que diz respeito às condições remuneratórias precárias em que os jornalistas exercem funções e às dificuldades que as empresas enfrentam para se financiarem, não pode esta Comissão (co)reguladora da atividade jornalística compactuar com práticas que não só violam as normas legais que regem a profissão, como, acima de tudo, colocam em causa a credibilidade e isenção dos jornalistas. A prática de publicar conteúdos patrocinados não identificados, disfarçados de jornalismo, executados por jornalistas, feita em grande escala e de forma generalizada, provoca a desconfiança e insegurança dos consumidores de informação e comprometem seriamente o futuro do jornalismo em Portugal.

Ainda que a responsabilidade maior seja dos órgãos de comunicação social e dos jornalistas, a CCPJ não deixa de alertar para o facto de muitos destes contratos comerciais, publicados disfarçadamente como jornalismo, serem promovidos, como entidade adjudicante, por organismos públicos do Estado, entre os quais estão Ministérios do Governo, Municípios, Regiões de Turismo, Comissões de Coordenação Regional, Associações de setor, etc. O Estado e a sociedade civil têm também especiais responsabilidades na promoção de um jornalismo sério, livre e independente. Ao alimentar, e por vezes forçar, estas práticas ilegais, por acharem que as iniciativas promovidas ganham mais destaque se feitas por jornalistas e publicadas como conteúdo editorial, e não como conteúdo patrocinado ou publicitário (produzido por não jornalistas), como a tal obriga a lei, as entidades públicas não só desvirtuam o jornalismo, como acrescentam um fator de condicionamento que limita a capacidade de os jornalistas escrutinarem as suas atividades e enfraquece a democracia.

A CCPJ lembra que os jornalistas e outros titulares de acreditações emitidas por este organismo independente de direito público, quando abrangidos por qualquer incompatibilidade, ficam impedidos de exercer atividade jornalística, devendo, antes de iniciar a atividade em causa, depositar junto da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista o seu título de habilitação.

 

O Plenário da CCPJ

28 de julho de 2023