A crise no jornalismo tem produzido efeitos em direções contraditórias. Por um lado, as dificuldades de rendibilidade do negócio têm levado muitos órgãos de informação jornalísticos a aumentar a sua agressividade na busca de histórias, pressionando de uma forma muito intensa a capacidade de resposta das diversas instituições com poder governativo, administrativo e económico da nossa sociedade. Essas instituições vão se defendendo da pressão mediática contratando “agências de comunicação” e estas, por seu lado, vão incrementando o negócio do chamado “Media Training” (MT) ou “treino para os media”.
A proliferação das “agências de comunicação” tem tido como efeito a disseminação de práticas de condicionamento da atividade jornalística, por vezes tornando ainda mais nebulosa a linha de incompatibilidades entre o jornalismo e as funções de marketing, relações públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação - alínea b) do n.º 1 do art.º 3.º do Estatuto do Jornalista.
Mas a crise do jornalismo tem sido perspetivada também como resultado de uma deficiente compreensão do público e das instituições para o papel fundamental do jornalismo nas sociedades democráticas. No âmbito da implementação de programas de literacia para os media, muitos jornalistas têm sido solicitados para vários tipos de ações de formação (planos de estudos, workshops, conferências).
No sentido de salvaguardar as legítimas tarefas de formação para as quais são solicitados muitos jornalistas, importa definir quais as linhas que devem orientar essas ações dadas por profissionais com carteira profissional, no sentido de as diferenciar e separar da atividade de “Media Training”, também ela legítima, mas no âmbito da atividade de relações públicas e assessoria de comunicação, incompatível com o estatuto de jornalista.
O “Media Training” é normalmente oferecido por empresas especializadas sob a forma de cursos e workshops coletivos ou treino direto a pessoas que o requisitem individualmente. Estes treinamentos visam aperfeiçoar as capacidades dos clientes (normalmente porta-vozes de organizações políticas, sociais e empresariais) para enfrentar os jornalistas.
Nos programas de “Media Training” promete-se normalmente preparação para lidar com os jornalistas em todo o tipo de situações, especialmente em entrevistas. Tal como a expressão indica, o treino para os media é claramente uma atividade de assessoria de comunicação que visa proteger o cliente, seja ele um indivíduo, uma empresa, uma marca comercial, uma organização ou um líder político perante a opinião pública e publicada.
O “Media Training” pode dar origem a um conflito de interesses em algumas situações, nomeadamente:
- nos casos em que os sujeitos passivos da formação recebem instruções sobre como se apresentar nos media, evitar perguntas difíceis, esconder informação, ou contribuir para a desinformação apresentando dados incorretos;
- nos casos em que os sujeitos passivos da formação são líderes partidários ou outros protagonistas da atividade informativa e cujo relacionamento com os jornalistas põe claramente em causa o dever de isenção e imparcialidade destes;
- nos casos em que os sujeitos passivos da formação venham a marcar presença em peças noticiosas, debates, entrevistas ou programas de informação produzidos ou coordenados pelo jornalista que fez o treino;
- nos casos em que haja algum acordo, ainda que subentendido, no sentido de promover o produto ou serviço de um cliente durante a atividade jornalística;
- nos casos em que as informações internas obtidas durante o processo de “media training” forem usadas para publicar uma história jornalística.
Nestes casos, como noutros em que a imparcialidade do jornalista possa ser condicionada pela ação de Media Training, a CCPJ poderá considerar, mediante a situação em concreto, que essa atividade se enquadra em funções de marketing, relações públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação, e, portanto, incompatível com a atividade jornalística, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 3.º do Estatuto do Jornalista.
Situações diversas, porque não condicionam o jornalista nem se enquadram no conceito de assessoria de imprensa, são todas as ações de formação que:
- contribuam para o esclarecimento da efetiva realidade da prática jornalística;
- conduzam ao esclarecimento do enquadramento legal da atividade jornalística e ao conhecimento dos códigos ético-deontológicos, livros de estilo e identificação que regulam a atividade jornalística nas suas várias dimensões;
- expliquem como se devem fornecer, de forma transparente e legal, informações aos jornalistas, contribuindo para um relacionamento leal e honesto com as fontes;
- exponham, de forma pormenorizada, os deveres e direitos dos jornalistas.
A CCPJ recomenda a todos os jornalistas que contactem a Comissão sempre que sejam convidados para ações que configurem uma situação de “Media Training”, antes de tomarem uma decisão que possa comprometer a sua idoneidade profissional.
Lisboa, 27 de janeiro de 2021
O Plenário da CCPJ